Contentamento

Luiz Fernando Pimentel
4 min readAug 7, 2018

Há 19 anos, minha irmã tinha o aniversário mais triste da vida dela, dia 03/08/99 perdemos nossa avó materna para o câncer de pulmão. Minha irmã faz aniversário dia 06. Durante muitos anos eu fui acusado e agredido pela minha família pelo fato da minha avó gostar tanto de mim e eu não ter dado muita atenção pra ela em seus últimos dias. Ninguém toca muito no assunto mais, mas ainda devem pensar isso.

Muito do meu comportamento na adolescência e início da vida adulta se deve a coisas como essas, escolhas erradas das únicas pessoas com quem eu poderia contar no mundo e que ao invés de terem o mínimo de preocupação como eu estava me sentindo, me agrediram, culparam e tiveram atitudes horríveis com nada menos que uma criança.

Não vou ficar expondo aqui tudo o que se passou, mas o fato é que encontrei refúgio pra essa falta de amor na religião, aos 15 anos, dois anos depois disso tudo. Tenho certeza que o maior sonho da minha avó era que todos nós tivéssemos a fé dela, a fé que eu vi que a sustentava enquanto ela ainda tinha lucidez. Todos os dias ela se sentava pra tomar sol com a bíblia e hinário dela, orava, cantava e lia a bíblia. E eu com o mesmo entendimento que os animais que meus pais usavam pra se referir a mim, debochava um pouco daquilo, mas comecei a enfim entender.

Encontrar refúgio na religião é bacana, sabe? Você recebe um livrinho de regras pra seguir, é tudo bem lógico e simples. Se não questionar nada, seguir tudo aquilo ali sem causar nenhum problema a promessa é de que sua vida vai ser linda. Claro que não foi e claro que eu não consegui seguir o livrinho de regras, mesmo que eu aparentasse. Eu me tornei uma das pessoas mais insuportáveis que eu já tive o desprazer de conhecer, talvez a pessoa mais insuportável que muitas outras pessoas tiveram o desprazer de conhecer.

A vida seguiu, cresci, aprendi a me comportar melhor pelo menos, mas as lacunas, os problemas emocionais, a ideia de que eu não valia e prestava pra nada ainda estavam lá, a enorme certeza que eu não era ou tinha nada na vida por não merecer isso, por não ter seguido lá atrás as regrinhas mágicas da religião e tudo mais martelavam na minha cabeça até que eu percebi que as minhas alegrias eram sempre cercadas por tristezas. E nada nunca estava bom, óbvio. Então, a fé e a devoção a um Deus que aparentemente não correspondia minhas expectativas era algo que fazia cada vez menos sentido.

Eu fui destruindo ou perdendo tudo que importava na minha vida neste momento. Fiquei anos sem mexer nos meus instrumentos, por exemplo. Quando abri a capa da guitarra ela estava até mofada.

Depois de todo esse tristemunho você pode estar se perguntando o que diabos essas experiências tem a ver com “contentamento”. Vamos chegar lá!

Essa madrugada escrevi sobre o segredo que Paulo afirmar ter descoberto ao escrever aos irmãos em Filipos. Ele descobriu o segredo de viver contente em qualquer situação. E antes que isso aqui se torne algo imenso, vou só deixar a thread aqui pra que você leia caso tenha interesse.

Tive outra oportunidade. Tive outra chance. Não mais com a religião e seu livrinho de regras, mas com o Deus e Pai de Jesus Cristo.

Distante daquilo que eu era
Sem força nem fé ou poesia
Me encosto no peito d’Aquele que atende o meu grito
A Ele todo canto

De manhã — Palavrantiga

A alegria de Deus e a força que ela me dá, o amor real que eu não fiz nada para receber e que apesar dos meus erros não muda, a fé não em mim, não na minha família, não na minha força ou capacidade, mas num Deus que não poupou o próprio filho por amor a mim, tem feito uma enorme diferença na minha vida há algum tempo.

Passei e passo por várias coisas bem complicadas após ter voltado aos braços do Pai, mas eu sei que apesar de tudo, Deus está comigo. A dor não deixa de doer, a tristeza não deixa de vir, mas enorme e tenebrosa noite que minha alma sofreu por anos foi rompida pelo Sol da Justiça, pela Reluzente Estrela da manhã e nEle está o meu refúgio. Um refúgio que não encontrei na minha casa, não encontrei na religião, não encontrei nos braços de diversas pessoas maravilhosas com quem tive a oportunidade de me relacionar (e magoar).

Minha avó gostava muito de um hino em especial, o 315 do hinário evangélico, Crer e Observar.

[1]
Em Jesus confiar, sua lei observar
Oh! Que gozo, que bênção, que paz!
Satisfeito guardar tudo quanto ordenar,
Alegria perene nos traz.

Crer e observar tudo quanto ordenar;
O fiel obedece ao que Cristo mandar.
[…]

[4]
Resolutos, Senhor, e com zelo e fervor
Os teus passos queremos seguir;
Teus preceitos guardar,
O teu nome exaltar,
Teu querer temos gosto em cumprir.

Rev. Salomão Luis Ginsburg

Essa semana lembrando de tudo isso, não mais com dor, revolta e magoa, mas com o entendimento de um filho de Deus, alguém que teve seu passado redimido pelo perdão e pela graça, cantei este hino com muita emoção e gratidão a Deus. E assim como Paulo, começo a desvendar o segredo para viver contente em toda e qualquer situação: obedecer a Deus.

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